segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

todas as coisas

(é.. o resto a gente pode disfarçar. mas olfato, de fato, é fato.)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

therefore

- Ah eu quero te dizer que o instante de te ver custou tanto penar, não vou me arrepender. só vim te convencer que eu vim pra não morrer de tanto te esperar. eu quero te contar das chuvas que apanhei, das noites que varei no escuro a te buscar, eu quero te mostrar as marcas que ganhei nas lutas contra o rei, nas discussões com Deus.. e agora que cheguei, eu quero a recompensa. eu quero a prenda imensa dos carinhos teus.

ela quis ignorar, mas acabou fazendo sol. não conseguiu esconder no escuro do mundo que sabia muito bem a continuação da música, ela que escutava essa desde pequenininha e afinal também era maria.


( a fala é parte de uma música, claro, do chico. )

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

aqueimar

Eu tava no 070 saindo de uma prova cruel, indo pro ensaio. Mas de repente o ônibus mudou de rumo, foi me levando pro lugar mais gelado do mundo. E não era fora da janela, era mesmo dentro dos meus olhos que eu via as grades de ferro, o corredor mal iluminado, as paredes lavadas e cheias de marcas, sujas pra sempre, os olhos no chão, os corações e as saudades mil na parede e na carteira.
Vinha da mochila de um menino de uns 13 anos o meu vale-transporte. Era um celular que tocava rap bem alto. Aquela batida gelada, seca. Se o rap se materializasse eu tenho certeza que viraria aquilo, o lugar de tanto concreto e ferro, de palavras perdidas. Onde não existem nomes, só iniciais.
E inicial é o que mais me desespera, depois da inicial como é que termina, seu moço?
Durou pouco mais de quatro minutos a minha viagem àquela Terra do Nunca ao contrário.
O ponto na frente do Shopping ainda tava ali, o ballet ainda era umas cinco quadras pra cima. Nada é fácil de entender.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Era um dia e outro na rua antiga quase invisível. As janelas de verdade já estavam fechadas, o chão de paralelepípedos e a iluminação fraca do poste apertavam a gente. Bonito de dar vontade de se aninhar, você sabe.
E a Lúcia, lá no final da ruela, se despedaçava silenciosamente. A Lúcia escandalosa explodia ao som do vento. azul, dourado, verde, até virar céu.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Uma dose de Leminsk pra arrancar esse blog do limbo. Um dos poemas que eu mais gosto nessa vida.
Tenho mania de ler esse poema com um mas antes, não sei porque. Acontece desde que esbarrei com ele pela primeira vez. E antes de encontrar a versão original na internet ou no livro, distraída, me lembro dele com um mas no começo, como se existisse um prólogo escrito com tinta invisível, subentendido. esse que eu entendo..

(Mas)

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante

Paulo Leminsk

terça-feira, 20 de outubro de 2009

laura

era uma senhora de idade inteira e jogava baralho aos domingos. ela e ela mesma, sempre às sete da manhã, uma missa alternativa. evitava fritura, como tinha que ser. tinha uma hortinha no fundo do quintal, como ela queria que fosse desde o começo da história, que ela regava todas as manhãs com um regador que quase não cabia nas suas mãos pequenas e enrugadas. saía com as amigas nas tardes de sábado para lanches dançantes onde nunca, nunca dançava.
não tinha fotos espalhadas pela casa. a não ser aquela que guardava debaixo do travesseiro e sem a qual não dormia direito, as outras guardava no cofre do escritório.
só assistia a novela das oito às segundas, o capítulo mais morno da semana. morria de medo de enfartar com as fortes emoções dos capítulos dos outros dias.
sempre tinha sido covarde. não subira no pé de caju do sítio onde morava quando menina nenhuma vez, nunca tomava banho de chuva.
regava as rosas e os espinhos três vezes por dia e duas vezes por vez. tinha um radinho de pilhas que ligava e desligava sozinho de surpresa.
tinha 15 borrões de tinta na pele flácida, ex-tatuagens que ela não lembrava bem o que eram. tinha cabelos brancos que lembravam nuvens em dia de sol. tomava uísque de manhã e café à noite porque fazia sentido.
não se sentia à vontade dentro daquele corpo curvado e rígido que diziam que era dela.
tinha um alívio imenso do lado de dentro. tinha uma saudade também. tinha uma agonia ás vezes e nunca se recuperaria do trauma.
culpa toda do narrador insensível que bruscamente fez passar setenta anos em uma página.

domingo, 4 de outubro de 2009

ultra

-a maioria das mulheres descobre que tá grávida fazendo um exame de sangue, com você foi diferente. eu já sabia que tava grávida, mas ainda não tinha feito nenhum exame. me candidatei a paciente pra aula de ultrassonografia na faculdade. foi a coisa mais emocionante do mundo o que a gente viu, eu, todos os meus colegas, o professor : você, aquela sementinha pulsando.- disse minha mãe.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

colgate total 12 professional whitening-

Alfredo, esse é meu último suspiro. Ninguém tem culpa, o mundo não para de girar mesmo, é assim. Pára pra gente quando o instante existe, pára ás vezes num abraço com acento porque o amor é agudo e grave.
Mas de repente se gira de novo e você percebe, tem mesmo é que ir junto. Ninguém gosta de ficar pendurado, Alfredo. É claro que nunca tem explicação, que acontece um i thought we were just begining and now you say we're in the past. É claro que esse giro novo me pegou de surpresa.
Mas ninguém tem culpa e não é desculpa, Alfredo, pra gente se odiar agora, pra se irritar, pensar que perdeu tempo, esquecer o quanto foi a coisa mais linda do mundo pra sempre, enquanto durou.
Agora fica uma casquinha, que é perdão, dizem. E a gente perdoa o tempo que errou. Fica pra sempre uma ternura aqui, uma ausência aqui, onde era amor.
Faço questão de ficar com a nossa trilha sonora, pode ficar com os filmes se você quiser. A antologia poética a gente doa pra uma instituição de caridade. Pode ficar com a nossa ex-futura casa na praia, eu quero o iate. Fica com o computador, que eu sei que você usa mais, eu levo o telefone.
Você leva a ternura dos olhares furtivos, leva logo vai. Eu fico com os suspiros mudos, não dá pra não ser.
Das nossas manias eu só quero os jargões de despedida, o chá antes de dormir. O resto a gente joga fora, é, acho que não serve pra ninguém. Eu quero o lago do jardim, pode ficar com a piscina e o tobogã.
O nome da filha a gente divide, a minha pode chamar Ana, a sua Maria, quem sabe até elas fiquem amigas quando crescerem sem imaginar que um dia foram a mesma pessoa nos planos que a gente não pôde escrever direito nas linhas das nossas mãos.
Os males cada um leva os que trouxe, Alfredo, e resolve. Preciso aprender a ser só.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

'o tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem.'

sábado, 19 de setembro de 2009

abóbora

Foi quando eu te vi sentada entre as outras, mãos em cima da perna, cachecol branco, brincos e colares combinando, o cabelo preso destacando o pescoço longo. Impressionante o jeito como você tá sempre altiva, se jogada no sofá, se esperando o ônibus no fim da tarde, sua postura tem essa elegância que não descansa.
Foi quando eu te vi sentada entre as outras e eu acho um barato o jeito como você conversa, conta como se conta um conto. Foi quando eu te vi sentada entre as outras e você não se camufla, você e outras quinze, vinte. você puxa meus olhos sem querer, com mais força que as vinte, trinta, e eu fico assim pendendo pro lado esquerdo.
Foi quando eu te vi entre as outras que eu não via. Foi que meus olhos se estrelaram que nem em desenho animado pela 736746123 vez desde que eu te conheci. Foi aí que eu entendi que nunca ia me acostumar. Que toda vez que eu te visse ia sorrir sorriso de setenta borboletas voando dentro do meu estômago.

É então que vem a sala de espera. E eu sei das regras da sala de espera.
É que a gente precisa ter o cuidado de atravessar a história pela margem, se pular de um parágrafo pro outro periga cair e eu cavaleiro sem armadura e você, como é que faz?
É que a gente precisa parar antes do abraço, recolher as folhas. Pra não abraçar feito espantalho que abre os braços só pra espantar os pássaros, como a Rita disse.

É que vem a madrugada e eu cinderelo, viro a abóbora. Mas eu precisava era aprender o silêncio, ser flor.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

curto circuito

Chuvisco arrumou sua trouxa e partiu de madrugada. Pegou carona com uma comitiva de cantores. Enfrentou os raios e relâmpagos de uma tempestade que se formou na estrada. Chegou. Tomou um copo de café na padaria da cidade. Pediu autógrafo de árvore famosa. Rodou pela cidade em busca dos artistas que dançavam na ponta dos pés. Encontrou pouso. Fez repouso.Andou nas margens do Taquari. Ajudou nos preparativos da festa. Riu um pouco dos exageros no palco. Virou do avesso com a beleza das danças que viu, com a beleza da espera de uma das bailarinas na beira da coxia inventada, com a beleza do ritmo que os pares de tênis levaram pro show. Tomou bebida viva e borbulhante, daquelas que se fazem de formiga dentro da boca. Assistiu à prova de montaria, oito segundos num colchão na vertical. Lutou contra baratas. Matou pernilongos. Se afogou no Taquari. Riu da vida. Tirou retrato.
E quando dormiu sonhou com os olhos da amada. Aqueles olhos castanhos de amêndoa da amada. Tão distantes, tão distantes, tão distantes. A meio metro dos seus.

sábado, 12 de setembro de 2009

e se você soubesse o quanto eu odeio esse crocodilo atrás da gente tiquetaqueando, amor.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

ana paula

vale-transporte porque a cena é bonita de sorrir,

vale?

sábado, 22 de agosto de 2009

for no one

Alfredo, ás vezes fica difícil dormir. Eu fecho os olhos e vago por outras estradas, ando tentando até o Beco Diagonal pra fugir do desencontro, mas sempre acabo topando com você que é rua sem saída. E tá feito, não sei mais dormir.Eu penso que pode ser a sua pele capuccino-com-canela, capuccino me desperta, é assim.

Alfredo, ás vezes fica difícil dormir. E aí eu lembro que você encheu minha cama de companhia pra quando batesse o cansaço e você não pudesse dar boa noite eu não ficar com aquela sensação de esse quarto ficou grande demais. Alfredo, quem é que faz assim? Quem é que sabe me dobrar em flor?

Olha Alfredo, eu só tive medo. Medo porque um dia você me tirou pra dançar sem aviso prévio. Com a maior delicadeza do mundo e sem explicação. E se você for embora com a mesma naturalidade que veio, mais leve que o ar, tão doce de olhar, que nenhum adeus pode acabar ?

Foi medo, Alfredo, ou rabugentice. Só não foi verdade quando eu disse.
Você pra mim é perfeito sim Alfredo, não de não ter defeito, mas daquilo de por na balança e as qualidades desequilibrarem pro lado de you're the closest to heaven that i'll ever be.

E eu te amo, Alfredo.

domingo, 16 de agosto de 2009

back to, i go back to

Chuvisco se sentou no meio fio, meio triste.
Chuvisco se sentou no meio fio pra esperar passar.
Chuvisco esperou tanto até que as borboletas do estômago congelaram, meio frio.
Chuvisco sentoueesperou, que nunca tinha entendido caracol de quadrilha.
Chuvisco se sentou no meio fio, meia sem par.
Chuvisco ensaiou suspiros ah como eu amo a mulher que passa. A coisa é que Chuvisco nunca foi relâmpago.
Chuvisco bem quis fazer breu, falar alto, molhar o rosto.
Chuvisco se sentou no meio fio.

domingo, 9 de agosto de 2009

dois pontos

a deni me explicou que os dentes se arranjam dentro da boca, pra se equilibrar.
meus dentes, meus da menina que cai, parece que tiveram que fazer altas acrobacias pra encontrar o eixo.
esses dias fiquei sisuda, minha boca tinha ganhado mais quatro e teve que se virar, se torcer, dar espaço pras raízes em x mais tortas e profundas do que deviam ser.
o balance mais esquisito do mundo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

sim

- Eu tenho que te dizer que, infelizmente, o diabo existe sim. O mal existe sim.
E me olhou fixamente nos olhos, como quem pergunta. E me contou que a casa dele foi invadida pelo demônio um dia, que ele passou um apuro danado até que veio um anjo bem menos safado do que os anjos que eu conheço, sacou a espada e venceu todo o mal dali.
- Olha, tudo bem, eu não duvido não.
- Você deve tá achando que eu tava drogado , mas eu não tava drogado.
Eu não sei, amigo, não sei. Eu tenho pra mim que acreditar é coisa de arrepio, não dá pra dizer que acredito só porque acho possível.
É que me fizeram debaixo de estrelas de touro e libra, aí fiquei assim terrena. Mas eu não duvido não. De quase nada.
Talvez nesses meus dias aqui eu veja fouetés triplos seguidos de piruetas a la second tudo na ponta como se fosse mágica e se eu arrepiar vou ter que acreditar que existe mesmo. Talvez eu alongue meu senso de crença quando vir a música de Tchaikovsky tocada pelos pés mais leves e espertos do mundo, com selo de um promenade paranormal. Como talvez você tenha visto o diabo mesmo
e talvez seja uma pena que o seu exercício de crença no quase impossível tenha tido que ser esse, mas talvez da próxima vez te deixem escolher e por aqui eles devem ter bastante coisa, aqueles mini-bailarinos, 12 anos e um pas-des-deux do Quebra Nozes bem inacreditável.

Eu só sei que agora, com seis malas, colchonete, travesseiro e girafa de pelúcia do meu lado, conversando com você sobre o bem e o mal eu só posso acreditar, amigo, em Folhetim.

terça-feira, 28 de julho de 2009

rosalva

Entrou no palco pela diagonal esquerda com uma rosa no cabelo e me olhou enviesado, morri.
Nem reparei quando ela escorregou na pirueta a la second, quem viu?
Eu só reparei naquela menina com uma flor no cabelo, a Rosalva. Nela e no Don mais digno da noite, que amparava a Rosalva como um toureiro ao contrário.
Eu fiquei pensando na Rosalva se abanando com o leque. A rosa no cabelo, o leque incessante na mão direita enquanto as pernas brincavam do balé esquisito que é Dom Quixote. Eu pensei que talvez o Vinicius tenha visto a Rosalva dançar em alguma taverna de Granada e tenha escrito o poema da menina com uma flor entre as mãos por engano, de perturbado que deve ter ficado.

Uns dias depois veio dizer que se chamava era Luciana. Dançou um Pas classique sem rosa, sem charme, sem leque, sem Juan, sem me olhar nos olhos. E saiu de ombros levantados e pescoço perdido. Tão sem graça quanto Luciana.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

nu artístico

Sabe, Alfredo, eu nunca tinha sentido isso antes, eu ando te amando tão loucamente, tão de-ses-pe-ra-da-men-te!
Eu ando sentindo uma vontade, que de tanta vontade dizem que é craving, de ter um filho seu crescendo dentro de mim. É a sensação mais estranha do mundo, Alfredo.
Mas é que você é lindo, Alfredo. Você e esses seus cílios curvados, você e esses seus pés curvados, Alfredo essa sua boca indecente de linda demais, esse seu jeito de vir, Alfredo, que faz a rua inteira levitar, tudo isso tem que ficar aqui, mesmo quando você for embora.
É tão melhor com você Alfredo, tão mais bonito. Escreve em mim seus genes, eu quero uma tatuagem de amor no útero, escreve Alfredo? Pra gente publicar aqui no mundo pra sempre porque o que vai ser do mundo se não tiver você, me diz Alfredo?
Eu quero ser a mãe da sua filha, Alfredo. Uma mãe de Atenas, Alfredo, daquelas que são só terra assim, eu não quero fundir minha escrita com a sua, misturar os genes. Eu sou a terra pra você plantar, Alfredo. Eu quero que uma partezinha sua cresça dentro de mim, uma partezinha sua vai conhecer meu avesso.
Viu Alfredo? O nosso amor não é oco. Eu quero amamentar nossa filha, alimentar sua eternidade Alfredo.

E também quero que você acorde com aquela carinha tooda inchada de sono, pra buscar sushi de atum com mel de madrugada.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

helga huelga

Minha mãe comprou um leite novo na semana passada. Fabricado no Paraguai.
Leche. E cada vez que eu batia o olho no leche a saudade batia em mim, Helga.
Você pediu pra me dar colo, saudades da hija que nunca veio. Eu assustei de felicidade com o tamanho da correspondência. Nem sangue, nem línga, nem pátria. Eu coube na filha, você coube na mãe, mesmo número. let it be
-me cago en la leche, você dizia de hora em hora pra dizer que não ligava. e abria o leque.

Hoje eu acordei e não tinha mais leche. Saudade ainda tinha, Helga Huelga. ainda tem.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

all i know is we're all in the dance


se em 'padeburré, se em grand-jeté.
eles dançavam de mãos dadas, todo o tempo.

sábado, 30 de maio de 2009

andreas

Andreas embalava o sono da filha entre a feitura de uma pulseira e outra. Não me puxou pelo braço, não desfilava, acho que não tomava banho todos os dias, por supuesto.
-Pulseira dos reales!
Não tenho. O vento frio e a chuva eram cordas me puxando pelo umbigo, esse bicho que mora em mim queria aninhar nos braços o montinho de pano que respirava dentro do carrinho, força umbilical.
-Puedo me quedar con esa?
Me sorriu daqueles cheios de significação, eu imaginei o que aqueles olhos que viajaram a pé do Chile hasta aqui saberían.
-Un deseo
Eu só não queria a falta. E que sua filha sempre tivesse um ninho.
Nó de laços.
-Hasta. Suerte, amigo!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Hoje eu não tinha pressa, só dor de barriga.
Desci a escada do seis, a escada docêis, que zomba de mim sempre que eu passo, fazendo piada das minhas pernas curtas, querendo brincar de esteira quando não é hora, oras. Eu ás vezes tropeço num dos gravetos que ela coloca secretamente nos degraus pra derrubar a gente por causa daquele sonho brega de ser escada rolante.
Daí eu lembro que tem isso também da escada além de tudo. é, tem isso da escada.. e dependendo do dia eu rio, ou mareio.

terça-feira, 28 de abril de 2009

lateral

Dá bastante trabalho amar uma árvore. Ele exercita a Santa Paciência todos os dias, alongamento, enquanto outros pássaros passam por você, te rodeiam. E quando um outro pousa em um dos seus galhos ele se dobra. Canta arrastado, gaita amarga, e se esforça pra caber no seu pedacinho que é só dele, pra não doer onde os outros esperam. É claro que o cheiro dos outros pássaros tem uma coisa nociva que machuca a garganta dele, que ele tosse repetido sempre querendo gritar aquele não por você. Aquele não pra você que é árvore e as árvores só dizem sim, não aprenderam a se desenterrar, sair correndo. Eu vi os olhos dele fingindo pouco caso, ele cuida. Vira flor todos os dias, eu vi.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

lateral

Difícil Demais amar um passarinho, você disse. Eu imagino o tamanho do seu abandono quando ele sai pra buscar comida, bica outras árvores e volta faceiro, flauta doce, te cantando que embora ele voe por aí e espalhe vários tipos de semente foi em você que ele fez ninho. Como as patinhas dele devem te queimar depois dos over-vôos, é claro que as outras árvores onde ele pousa sem querer liberam alguma coisa tóxica que te coça. A sua espera quando vem a seca, quando vem a cheia e ele precisa ir embora. Eu reparei na sua espionagem, de como você fica na pontinha das raízes e enxerga por cima das árvores mais altas só pra poder ver seu passarinho sumindo pra longe, pra longe. Eu sei de como você estende os ouvidos pra ouvir o conto dele, em qualquer canto.

sábado, 11 de abril de 2009

gol

Eu tava descendo a Furnas no meu carro acidentalmente estilizado, veio a luz vermelha e pediu pra esperar, era a deixa. Break.
Começou a dançar o menino. dança de rua ao som de vrums, pés descalços contemporâneos no asfalto quente, o eixo no chão. Eu nem sei se ele sofre com a textura do palco, se já cansou da iluminação vermelha, mas aquela coreografia de imprevisto me deu sorrisos.
E eu fui embora montada no meu fox de zebrinha meio sem querer, pensando em tirar o menino pra dançar Contrastes, esse clássico de Brasilidade.
A gente girava no chão e depois na ponta, e depois no chão e depois parava. E compartilhava as bolhas do pé e os roxos do joelho. Eu não discutia sobre a dança, nem sobre os rumos, não contava até oito, nem perguntava nome. A gente ia aprender a escutar o silêncio, fazer de dia a Noite dos mascarados, fingir que era carnaval.
A gente parava a cidade um pouquinho, porque a luz tava vermelha, pra aproveitar a iluminação. Por alguns compassos.

domingo, 29 de março de 2009

pausa pra um beijo

Segura o tempo aí um pouquinho, que eu preciso dar um recado.
Eu não sei se você anda ouvindo por aí, Alfredo, que eu te amo, Alfredo. Eu não sei se você tem falado com as nuvens ultimamente, nem sei se você tem lido o chão do seu quarto onde um dia eu esparramei tanto amor que deve ter ficado tatuado pra te lembrar.
Eu só sei que esse meu amor que se faz de mudo e nem é, e nem muda, eu só sei que ele hoje acordou transbordando todos os dias. E que eu vim te beijar com palavras, Alfredo, que entre os mil tipos de beijos possíveis a gente precisa escolher o beijo nosso de cada dia e hoje é domingo dia santo. Eu vim te beijar com palavras porque eu te quero bem e fico tão feliz quando você vem brincar de caber na minha vida. É que aqui é meu mundo, tem minha mãe, tem meu pai, meus irmãos, tem o sofá grande, minhas calças estranhas e eu fico boba de ver quando você se integra, como você é tão lindo aí fora no mundo e traz toda essa lindeza pra cá. Que o Tom cantou ah se ela soubesse que quando ela passa o mundo inteirinho se enche de graça e eu gostei dessa desde pequeninho
mas quando você fica, Alfredo, aí a graça é mais que graça. Meu mundo fica muito mais lindo, até minhas calças gostam de você aqui, sabe?

Eu te amo, Alfredo.

quinta-feira, 19 de março de 2009

assimétricos

Ele deitava agora, pra não dormir, duas horas e meia de insônia, duas horas e meia de procura-se uma posição, duas horas e meia de 'esse quarto ficou grande demais..'.

Ele outro sonhava agora, do outro lado de um país que não existe. e se mexia em sono agitado em sincronia com o primeiro, sem saber.

Ele um tinha sede, mas uma preguiça insuperável de se levantar do sofá.

Ele outro pegava água num surto automático e esquecia na mesa de centro, coisas daquelas que a gente faz sem querer. é que a sede não era dele, morava tão longe dali e ele nem sabia.

Ele outro descansava as mãos apoiadas nas pernas, sempre a palma virada pra cima. Ele um se punha sempre de palma pra baixo sem saber o que procurava. Era de dar quase dó quando ficava evidente que até os dedos deles se encaixavam perfeitamente no desenho das sombras quando a noite era escura demais. Deles que eram paralelos, que nem se dessem um nó no vento e soprassem com força se encontravam. Deles que o encaixe era só deles e outro não existia, deles que iam pra sempre andar meio tortos, sempre torcer um pouquinho pra caber onde não é lugar, -mas se o lugar não vem o que se há de fazer?
E era de quase dar orgulho essa melancolia, de quando a noite gritava -Alfredo! e esse sussurro pro Ricardo é que nunca chegava.
Deles sempre meio cheios de estarem sempre meio vazios, dessa elegância deles que 'um homem com uma dor é sempre mais elegante, caminha assim de lado..'

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

out!

Era uma vez, mentira. Era duas vez, três vez talvez, é.
Era tal vez ela que passava, uma daquelas mulheres que a gente jura que não ama porque a saia é pequena demais e se a gente precisa de uma saia pra se esconder debaixo quando o medo tiver gigante demais, o que é que a gente faz com essa saia de um palmo?
Era a tal vez e a mulher que passa, aquela, resolveu ficar.

Era talvez a primeira vez que ele via tão de perto uma daquelas. aparição de carne e osso. É claro que os olhos brilharam e que toda a breguice do mundo vinha agora pousar no ombro dele, fazendo carinho, falando de amor. E onde chovia antes ia fazer sol agora, e onde sofria antes ia agora fazer sentido.

Trocaram, durante três minutos e quarenta e dois segundos, tempo da música deles que não tocou e nem precisava, olhares de ternura, carícias telepáticas, juras mudas de arrepio e amor eterno.
A levitação se desfez logo no primeiro toque. Alguma coisa nela ardia demais.

Ia ser sempre lindo e mesmo quando a Amy cantasse I died a hundred times, you go back to her and I go back to blak, ia ter uma Elis pra retrucar Black is beautiful.
Mas só quando o tempo fosse bonzinho e ele deixasse de se sentir queimar sempre que encostasse nas marcas, ainda quentes, de outros braços no corpo dela, como se fossem tatuagens de abraços de ferro em boi. Quando o tempo de casulo passasse e ele aprendesse a voar, quando largasse de ser vaca, o babaca.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

quer dançar sem migo?

é que aquilo vinha dando tontura de novo e demais, tortura de novo de mais, não.
é que dói de não caber nessa quadrilha, alargador se eu não uso, Carlos maldito!
e a gente aqui de novo, no caracol. se eu te puxasse pela mão, pra redemoinhar, primeira da fila, assim ímpar, meio sem par, você ficava aí, as duas mãos ocupadas, e eu meio sem rumo, meio pela metade.
Não, Pablo, eu não sei dançar essa quadrilha. pequena demais pra um pas-des-quantoscouber.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

quebra de contrato

Quando ela chegou balançando o cabelo em charme proposital, um garfo se jogou da mesa, vai ver foi paixão mais-que-prematura-exagerada, vai ver tinha tirado o J mesmo.

Ninguém viu quando ela sentou na mesa, hipnose, dizem. Foi sentar com ele, que esperava há três minutos e cinco goles de cerveja.
Say goodbye, dizia o roteiro. Ele era mudo, tão mudo quanto as madrugadas quando a sombra é maior que o medo, e menor que o segredo, amor.

- Um brasa salada com adicional de coragem, por favor.

E aqui não é mesa de bar, mas a breguice é infinita, garçom. Ela não viu quando ele ficou mais rosa que o comum, quando pensou sem querer no quanto ela era linda e em como ele entendia aquele guardanapo que se despedaçava com o toque das mãos dela, que aquelas mãos eram mesmo o melhor lugar do mundo, say hello. Ela não viu, era cega, talvez porque ele fosse mudo, então.

Os garçons trocaram olhares ansiosos, o adolescente emburrado da mesa ao lado já tinha socado a mesa há dois minutos e um vôo de abelha improvisado, a deixa, say hello say hello!

Mas o frio na barriga antes da queda, e ele definitivamente tinha uma queda por ela, um tombo. e o frio na barriga antes da queda congelou a cena sem aviso, e eu na esquina de cima bem pra cima, na quina da rede de insegurança, quase gritei
- corta!


quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

umbero

e se eu pudesse supor a insanidade daquela espera na sacada.
é que eu era a única no mundo que conhecia o avesso dela, qual seria então o tamanho do abandono que ela sentia quando eu fechava a porta?
de vez em quando aquela ofuscação transbordava. eu nunca sei o quanto dela é espelho, o quanto de mim luz. um tanto de mim espelho e ela dando luz.
foi que me alojou dentro dela de novo, e sem poder digerir, me vomitou,
parto ao contrário,
aliviador?

sábado, 24 de janeiro de 2009

triim

"Vamos brincar, amor? vamos jogar peteca
Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo
Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?
Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto
Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
Fingir que hoje é domingo, vamos ver
O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de Sevignée
Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar
Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto? Vamos, amor? "
( De Moraes)

Mas esse crocodilo atrás da gente, amor
tic tac
tow.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Ingredientes
150 gr Filé de atum limpo sem espinhas
1 Folha de nori
4 Colheres de sopa de farinha tailandesa
Calda
1 xícara de chá de mel de rapadura
1/2 xícara de chá de shoyo
3 colheres de sopa de aceto balsâmico
1 pitada de raspas de gengibre


Modo de preparo
Molho
Derreta a rapadura em fogo baixo mexendo sempre e acrescentando o shoyo, água fervente, aceto balsâmico e pitada de raspas de gengibre. Mexa sempre até o molho obter consistência de mel. Retire do fogo e mantenha em temperatura ambiente.
Limpe o filé de peixe removendo todas as espinhas. Envolva o filé numa folha de nori e passe a peça na farinha tailandesa. Frite rapidamente em óleo de girassol bem quente o suficiente para dourar a capa. Corte a peça em fatias finas e sirva com o molho shoyo mel.



Não é que eu não tenha ossos, nem que falte juízo. eu sempre me impressiono com o tamanho dos seus cílios, nunca vi assim. e penso que, socorro, nem sei quantas borboletas cabem nesse meu novo estômago. Eu fico tentando contar, mas você veio daqui de dentro. daí que entre a gente é tão estreito que não cabe sentido, nem sol, escuro do mundo. Não é que eu não tenha ossos, nem sei como você consegue, eu amo tanto, quando você me diminui até o tamanho de um arrepio e me dobra em flor.
- alta gastronomia, amor.

domingo, 11 de janeiro de 2009

chuvisco

Ele tinha desenvolvido, por puro tédio e excentricidade forçada, a mania de se perder pela cidade quando um amor acabava. de se encontrar pela cidade quando acabava, amor.
Era como se andando pelos caminhos já feitos ele pudesse resgatar alguma coisa que fizesse falta, como se desse pra respirar de novo os velhos ares e encontrar aquilo de sufocante que a gente precisa pra poder parar de andar em ginástica anaeróbica.

É que talvez o Forrest tenha afetado mais que os verdes fritos, mãe. E além de tudo ele era vestido chique, só se lavava a seco, mesmo a alma, emprestada.

E fazia parte da mania bater na porta de todos os amores passados, bater a porta de todos os amores passados, amor, daquele jeito adolescente ponto de exclamação que faz os mal-passados quase levantarem do sofá de desacostumados que tão com o estrondo, único barulho que ele ousava fazer, mudo que era. Daí que ele desistia de reclamar os beijos roubados de volta, recolher os pedaços na estrada, de varrer pra dentro as migalhas de arrepio que sempre sobram, e acabava engolindo vento mesmo, até ficar com soluço.

Nem ele sabia o que o segurava na frente daquela janela. o sufocamento não tinha chegado ainda, a parada devia ser cardíaca.
A moça duvidava um pouco que ele estivesse mesmo ali, na sua janela, há tanto tempo, torcendo sem querer por uma tempestade que o fizesse levitar até o batente, ou o levasse pra bem longe.

Eu bem que desconfiei, desde o primeiro abraço, que ele era feito de suspiros vazios, ninguém muito concreto consegue caber sem esforço num xp.