quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Histórias de além Bacia do Prata I




Fim da pausa e eu me desacostumei a escrever no blog. Acho que mais afetada. Tão afetada que não quero nem pedir desculpas pela falta de fluência. Ah, quem quiser que conte outra.
E esse título tem dedicatória, é ele próprio uma dedicatória, a dedicatória mais blasé que você já leu talvez. Mas ele bem que merece, o amigo viajante experiente mais desnaturado do mundo.

Acordei em Corumbá naquele dia, de boot no pés e mochila nas costas. E melhor do que acordar em Corumbá, amigo, só se você não dormir.
Nas primeiras três quadras de caminhada embaixo do sol pelando, eu quase entendi porque Corumbá é uma das minhas cidades preferidas nesse mundo (o meu). É que o calor não vem de fora, o sol não passa por cima da pele arrepiando a gente como aqui em Campo Grande. Em Corumbá a gente cozinha por dentro primeiro e foi uma corumbaense que me ensinou: pra ser verdade tem que ser de dentro pra fora.
Também tem o lance do suor em Corumbá não ser aquela coisinha úmida que incomoda: lá a gente não sua fino, exala água salgada de respeito, muito mais densa. Em Corumbá a gente é mar e eu até acho que se um dia sua pressão baixar com o calor, você pode se lamber que passa.
Ainda tem o fato de você poder pegar um ônibus chamado Fronteira em Corumbá. E é claro que se fronteira é o limite entre uma coisa e outra, a gente quer mais é transpor. É claro que se a gente acha que o mundo veio pra gente, a gente quer cada pedacinho dele. E se a gente não tem certeza sobre o que acontece depois ou o que veio antes, a gente só quer aproveitar inteiro antes que acabe o mundo, antes que acabe a gente.
E foi com essa urgência engraçada e santa que pegamos o ônibus Fronteira três vezes naquele dia, entre corridas pelas ladeiras da cidade enquanto tentávamos resolver o problema da falta de uma das carteiras de vacinação (o primeiro e menor problema da nossa grande mini viagem), até finalmente enfrentarmos uma fila enorme para sair do Brasil e em seguida o olhar duro do policial para entrar na Bolívia, depois embarcarmos correndo no trem que iria de Puerto Quijaro a Santa Cruz. O Trem da Morte, onde eu achei mesmo que fosse morrer de tédio quando percebi a velocidade de subida de montanha-russa que a viagem teria e a falta de um baralho ou um livro na minha mochila.
A resposta à falta de ar-condicionado veio de madrugada quando o vento gelado da Bolívia entrou pela janela e eu tive que pegar todos os casacos, um cachecol e um par de luvas que não foram suficientes pra me aquecer.
Quando o sol veio expulsar o frio a gente acordou, comeu barrinhas com cara de mochileiros experientes e eu saquei minha escova de dentes, a garrafa de água mineral e desisti do banheiro sujo. Santa Cruz ia ficando mais perto e o sol mais forte, a estrada era bonita, toda estrada é bonita, a velocidade do trem parece bem maior quando se está entre os vagões e o barulho é uma música contagiante e alta que me fez querer dançar ali mesmo enquanto eu escovava os dentes com a direita e me equilibrava em segunda posição segurando com a esquerda na alça de ferro, a escovação mais radical da minha vida.