segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Wanderson

Tomava sombra embaixo de uma árvore de poesias engarrafadas quando um fruto-poema caiu na cabeça dele, numa queda tão bonita quanto a da maçã de Newton. Ele saboreou pela primeira vez:

- Quê..crrr...querê.. Crepúsculo!

Wanderson II

Sublimei, disse o poema.
Ele levantou os olhos
em ponto de interrogação

sábado, 10 de setembro de 2011

Geografia

- Caio, o mundo girou tão rápido, tanto.. por que é que depois de tantas voltas você continua no mesmo lugar, nas mãos dela?

- Porque as mãos dela são o lugar mais lindo do mundo. Porque se eu pudesse escolher qualquer lugar - Paris, Dubai, Nova York, Terenos... eu escolheria as mãos dela. O lugar mais lindo do mundo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Segredo

Alfredo, eu quase aprendi a ser flor. Mas hoje eu te escrevendo pra fazer uma confissão porque choveu. Eu espero que você entenda que isso não tem nada a ver com dança das cadeiras, não quero mudar de lugar. Eu e você nos encaixamos nessa vida muito melhor como amigos, sei.

A vizinha me disse esses dias que tava com vontade de comer aquele churrasco que só você faz e hoje a moça que limpa minha casa pendurou aquele pano de prato que você me deu de presente com tanto carinho.

Sabe, aquele pano tava bem guardadinho no fundo de uma gaveta pra não ser mais usado, escondi quando ele começou a desbotar, faz alguns anos que eu não uso. E eu sei que você vai achar bobagem e não gosta de drama, mas ver aquele pano pendurado do lado do fogão me deu uma vontadezinha inconveniente de te abraçar e voltar no tempo, pra um tempo pretérito tão imperfeito que nem se acontecesse a gente se lembraria.

E ainda teve um show muito lindo, Alfredo você não é fraco pra essas coisas e nem vai imaginar o tamanho do arrepio que aquelas notas agudas causaram em mim. O violino é apelação, concordo.. o fato é que você me veio na cabeça de novo, numa falta diferente da que eu senti vendo o pano de prato, saudade musical.

Mas seu celular está em paz, dorme tranquilo eu não te ligo, eu me confesso aqui mesmo.
Eu não te conto nenhuma dessas barbaridades, Alfredo, porque o próprio artista, prevendo a minha vontade de te procurar, olhou sério dentro dos meus olhos e cantou:

domingo, 4 de setembro de 2011

Fechado

para balance

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Além dos Olhos

Empréstimo de olhos é uma coisa que eu gosto bastante de fazer. Esses dias fui emprestar os olhos de quem não enxerga e foi lindo. Era atividade de Reportagem Fotográfica e a missão era fazer um fotovideo. Ele vai ficar aqui do ladinho, junto com os outros empréstimos de olhos, quem quiser emprestado nem precisa pedir.
Tá bem simples, editado no Movie Maker, sonoras gravadas no celular. O próximo passo é fazer de novo com audiodescrição, pra todo mundo poder ver.
Por enquanto ficou assim:

D 007

No sábado meu corpo quase ficou triste de saudade, mas meus olhos se alegraram bastante. Quem não viu o espetáculo do Estúdio de Dança Beatriz de Almeida, que vista os binóculos que eu trouxe e leia minha descrição.



Um menino sapateou com o sol nos pés. Gente que era pequena, agora é grande e faz até pirueta. Voz rouca, dança com força de jazz. A grande pequena bailarina que eu sempre amei ver em cena. Bailarinas completas, lindas no palco de flor na cabeça, Rosalvas.



Entre tantas coisas lindas, meus olhos gostaram tanto de ver você quando apareceu discretamente no canto do palco.. Enxergamos o suspiro de concentração nos seus olhos antes da música te fazer flutuar. Seus pés riscando o palco, você segurando a música nas mãos, brincando com a gente nos contratempos entre os pas-des-burrés. Você abraçando o mundo com seus braços imensos, que dançar é abraçar o invisível. Você varrendo os males do mundo pra bem longe com seus piqués incansáveis, a quinta fechadinha. Olhando pro alto pra enxergar o balance com esses seus olhos grandes. Você sozinha, mas tão amparada, enchendo o palco inteiro de você mesma. Você enchendo a platéia com a sua graça indizível. Tão leve, tão leve, tão doce de olhar, indelével.



Depois de flor no cabelo como as outras, os pés esticados, saltos precisos. A dona do palco. Girando em diagonal, tão rápido, tão rápido enquanto o maestro invisível sorri pra orquestra e eu também já não posso segurar meu sorriso. Eu e meus olhos satisfeitos, te olhando pela segunda vez com a sensação de que se você dançasse assim mais mil vezes, a gente estaria lá de novo porque, embora o mundo gire tão rápido quanto você marca sua cabeça agora, algumas coisas nunca mudam.




terça-feira, 24 de maio de 2011

Ideologia

Dizem que quando os romanos entravam em solo inimigo, além de queimar tudo jogavam sal no solo, pra plantação nenhuma vingar de novo ali.
Sabe, alguns amores são romanos. É por isso que Paula nunca vai perder a altivez de escrava de guerra.


- Não é frescura romântica, é pura política. Nunca ouviu a música? O meu partido é o coração partido..

sábado, 21 de maio de 2011

É eu preciso dizer

Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem?



Ela não recusaria se tivesse pra dar, acreditem. Mas pedir pra ela um pouquinho de amor é como pedir as chaves pro motorista daqueles veículos que têm cofre e as chaves ficam na empresa. O amor dela é assim, mora em outro lugar, bem longe.


A verdade é que o amor de muita gente fica em outros lugares. O amor faz isso de brincadeira. A diferença é que o amor de muita gente gosta de brincar de pega-pega


'tá com você'.


Mas o amor dela era amor de esconde-esconde. A gente não sabe se pela energia baixa, ou pelo acúmulo de vênus nas casas 5,6,7,8.


Antes que vocês achem que ela nega o que não é direito ninguém recusar, eu preciso dizer:


O amor dela se esconde nas linhas das mãos dos outros. Ele faz isso sozinho, por acaso ou sorte, nunca por merecimento ou processo seletivo. É por isso que eu preciso te alertar sobre os filmes românticos, os planos e estratégias de conquista. O amor pode ser conquistado, mas não esse. Esse tipo de amor de esconde-esconde só pode ser mesmo encontrado. Não importa quantos balões você colocar no céu, quantas poesias, o amor dela tá num esconderijo. Tá num esconderijo e é cego. Não é culpa dela, não é fracasso seu. As borboletas do estômago não voam quando a gente quer. O corpo não mente, mas fala um dialeto traiçoeiro.


Quando ela encontra o esconderijo, não consegue esconder as evidências de


'1,2,3 salve o mundo'


as evidências são: tremores, dificuldade na fala, olhar viciado, sorriso bobo. Outras manifestações podem significar um carinho imenso, um amor do tipo amizade. No dialeto do corpo, carinho imenso significa afeto grande. E desse tipo de sentimento ela tem as chaves. Só ganha quem merece. Esse não é o amor de esconde-esconde. Ele não é maior nem menor. O limite é o céu da boca.


Ela vai te mentir que não procura. Ela sabe que procura sem querer e também sabe que a procura é tão eficiente quanto os balões do outro parágrafo.


Por fim, eu digo que quando ela fala que não reconhece o amor em você eu nem posso dizer sinto muito. Ela já encontrou o amor algumas vezes e continua amiga desses esconderijos. Você jamais vai perguntar pra eles, mas se fizesse eu aposto que a resposta seria essa: ela é três mil vezes melhor amiga do que amante.





terça-feira, 3 de maio de 2011

Che malemolência

Não precisa usar os séculos de experiência nos teclados pra me convencer de que esse samba você vai precisar me tocar uma oitava abaixo.
Aqui, na beira do rio, você trata de atrasar o compasso. Eu deixo de lado os contratempos.

Nosotros na cadência. Faz sol em mi, meu dó deu ré, lá si foi.

domingo, 17 de abril de 2011

Eu sou a musa, digo, música

É, meus dedos andam ocos, gente. Enquanto isso, vai rolar empréstimo de olhos de outras pessoas.
Hoje a visão sou eu. Eu pelo olhar do Eduardo Lyvio, que me enxergou com uns olhos tão delicados e ternos quando escreveu essa música pra mim que eu fiquei, assim, comovida.
Tô louca pra conhecer a melodia e cantar do jeito que ele me viu cantando:

Eu vim na primavera
Como uma quimera
Uma esfera reluzente
Que se pôs sob o seu olhar


Eu vim como uma ideia
Pra uma canção
Desnecessária ao seu repente
Que se dispôs ao seu prosar


Eu sou a música
Não uma simples canção
Mas toda a música
Não as notas de um tom
Mas toda a música
Eu sou o seu violão, a sua voz


Eu cheguei aos seus ouvidos
Com os meus gritos sustenidos
Meus bemóis a soluçar


E num pranto descabido
Desafino os meus sentidos
Se for pra lhe ver passar


O meu riso é um improviso
Numa escala de outro tipo
Que eu ainda vou inventar


E assim, sempre imprecisas
Minhas canções, prosas e rimas
Trovões, trovas que vivo a cantar


Meus fás bemóis, mis sustenidos
Os meus sóis, minhas notas sem sentido
Minhas claves, minhas crases


Se eu desafino é pra conquistar
Seus imperfeitos ouvidos

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E se deu vontade de ver o Eduardo Lyvio Dudu com seus próprios olhos é só abrir a janela http://fermataclandestina.blogspot.com/

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Histórias de Além Bacia do Prata II

O Paraíso é uma ducha de água fria no banheiro escuro e sujo da rodoviária de Santa Cruz de la Sierra, água caindo na pele enfim, depois de dois dias de viagem a seco. Paraíso é o destino onde chega o Trem da Morte, como tinha que ser.

E os deuses sabem, amor, o tamanho da euforia de cantarolar We are the Champions enquanto a água gelada escorre e você balança os braços e até dá uma rebolada, sem muita empolgação pra não encostar nas paredes do box.

Sabem do frio na barriga quando chegaram dois guardas e nos pediram os documentos, a prova de que estávamos em terras estrangeiras. Do nosso medinho depois da desistência dos bilhetes de uma companhia e a certeza de que o vendedor nos mataria. Uma escolha que viraria água nos olhos expressivos da Ana mais tarde, quando ela descobrisse que o ar-condicionado do nosso ônibus seria nada mais do que as janelas abertas.

Os deuses sabem do nosso espanto quando o motorista desceu do ônibus e recebeu três chibatadas pra lembrá-lo de que era ridículo continuar o caminho quando a gasolina tinha subido mais de 50% na semana passada. The show mu
st not go on, produção. A vida tinha que parar, pra seguir de novo na estrada certa. E foi por isso que a nosso ônibus parou alguns quilômetros depois, a quinze minutos da entrada de La Paz, que era nosso destino.

Então descemos do ônibus e encontramos a cidade de um jeito um pouco diferente do planejado. Iríamos pegar um táxi, arranjar um hotel e deitar durante três horas pra acostumar o corpo à altitude. Andamos até a entrada da cidade com as mochilas nas costas e uma ponti
nha de receio dos manifestantes que nem ligaram pra nossa presença ali. Éramos seis viajantes empolgados. Éramos vários viajantes de vários ônibus e carros deixados para trás, fomos recebidos por um carro queimado e tropas do exército boliviano que organizavam a entrada na cidade.

E mesmo sem termos vivido alguma coisa de extraordinária sabíamos que uma hora ou outra iríamos usar a poesia pedante do momento e contar que naquele dia encontramos a paz, La Paz, com as nossas próprias pernas- mochila nas costas, casaco no corpo, verão nos bolsos, cidade abaixo e a promessa de que o mundo continuaria grande, mas nós seríamos mais fortes.


Fotos: Gabriel Lourenço

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Histórias de além Bacia do Prata I




Fim da pausa e eu me desacostumei a escrever no blog. Acho que mais afetada. Tão afetada que não quero nem pedir desculpas pela falta de fluência. Ah, quem quiser que conte outra.
E esse título tem dedicatória, é ele próprio uma dedicatória, a dedicatória mais blasé que você já leu talvez. Mas ele bem que merece, o amigo viajante experiente mais desnaturado do mundo.

Acordei em Corumbá naquele dia, de boot no pés e mochila nas costas. E melhor do que acordar em Corumbá, amigo, só se você não dormir.
Nas primeiras três quadras de caminhada embaixo do sol pelando, eu quase entendi porque Corumbá é uma das minhas cidades preferidas nesse mundo (o meu). É que o calor não vem de fora, o sol não passa por cima da pele arrepiando a gente como aqui em Campo Grande. Em Corumbá a gente cozinha por dentro primeiro e foi uma corumbaense que me ensinou: pra ser verdade tem que ser de dentro pra fora.
Também tem o lance do suor em Corumbá não ser aquela coisinha úmida que incomoda: lá a gente não sua fino, exala água salgada de respeito, muito mais densa. Em Corumbá a gente é mar e eu até acho que se um dia sua pressão baixar com o calor, você pode se lamber que passa.
Ainda tem o fato de você poder pegar um ônibus chamado Fronteira em Corumbá. E é claro que se fronteira é o limite entre uma coisa e outra, a gente quer mais é transpor. É claro que se a gente acha que o mundo veio pra gente, a gente quer cada pedacinho dele. E se a gente não tem certeza sobre o que acontece depois ou o que veio antes, a gente só quer aproveitar inteiro antes que acabe o mundo, antes que acabe a gente.
E foi com essa urgência engraçada e santa que pegamos o ônibus Fronteira três vezes naquele dia, entre corridas pelas ladeiras da cidade enquanto tentávamos resolver o problema da falta de uma das carteiras de vacinação (o primeiro e menor problema da nossa grande mini viagem), até finalmente enfrentarmos uma fila enorme para sair do Brasil e em seguida o olhar duro do policial para entrar na Bolívia, depois embarcarmos correndo no trem que iria de Puerto Quijaro a Santa Cruz. O Trem da Morte, onde eu achei mesmo que fosse morrer de tédio quando percebi a velocidade de subida de montanha-russa que a viagem teria e a falta de um baralho ou um livro na minha mochila.
A resposta à falta de ar-condicionado veio de madrugada quando o vento gelado da Bolívia entrou pela janela e eu tive que pegar todos os casacos, um cachecol e um par de luvas que não foram suficientes pra me aquecer.
Quando o sol veio expulsar o frio a gente acordou, comeu barrinhas com cara de mochileiros experientes e eu saquei minha escova de dentes, a garrafa de água mineral e desisti do banheiro sujo. Santa Cruz ia ficando mais perto e o sol mais forte, a estrada era bonita, toda estrada é bonita, a velocidade do trem parece bem maior quando se está entre os vagões e o barulho é uma música contagiante e alta que me fez querer dançar ali mesmo enquanto eu escovava os dentes com a direita e me equilibrava em segunda posição segurando com a esquerda na alça de ferro, a escovação mais radical da minha vida.