terça-feira, 28 de abril de 2009

lateral

Dá bastante trabalho amar uma árvore. Ele exercita a Santa Paciência todos os dias, alongamento, enquanto outros pássaros passam por você, te rodeiam. E quando um outro pousa em um dos seus galhos ele se dobra. Canta arrastado, gaita amarga, e se esforça pra caber no seu pedacinho que é só dele, pra não doer onde os outros esperam. É claro que o cheiro dos outros pássaros tem uma coisa nociva que machuca a garganta dele, que ele tosse repetido sempre querendo gritar aquele não por você. Aquele não pra você que é árvore e as árvores só dizem sim, não aprenderam a se desenterrar, sair correndo. Eu vi os olhos dele fingindo pouco caso, ele cuida. Vira flor todos os dias, eu vi.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

lateral

Difícil Demais amar um passarinho, você disse. Eu imagino o tamanho do seu abandono quando ele sai pra buscar comida, bica outras árvores e volta faceiro, flauta doce, te cantando que embora ele voe por aí e espalhe vários tipos de semente foi em você que ele fez ninho. Como as patinhas dele devem te queimar depois dos over-vôos, é claro que as outras árvores onde ele pousa sem querer liberam alguma coisa tóxica que te coça. A sua espera quando vem a seca, quando vem a cheia e ele precisa ir embora. Eu reparei na sua espionagem, de como você fica na pontinha das raízes e enxerga por cima das árvores mais altas só pra poder ver seu passarinho sumindo pra longe, pra longe. Eu sei de como você estende os ouvidos pra ouvir o conto dele, em qualquer canto.

sábado, 11 de abril de 2009

gol

Eu tava descendo a Furnas no meu carro acidentalmente estilizado, veio a luz vermelha e pediu pra esperar, era a deixa. Break.
Começou a dançar o menino. dança de rua ao som de vrums, pés descalços contemporâneos no asfalto quente, o eixo no chão. Eu nem sei se ele sofre com a textura do palco, se já cansou da iluminação vermelha, mas aquela coreografia de imprevisto me deu sorrisos.
E eu fui embora montada no meu fox de zebrinha meio sem querer, pensando em tirar o menino pra dançar Contrastes, esse clássico de Brasilidade.
A gente girava no chão e depois na ponta, e depois no chão e depois parava. E compartilhava as bolhas do pé e os roxos do joelho. Eu não discutia sobre a dança, nem sobre os rumos, não contava até oito, nem perguntava nome. A gente ia aprender a escutar o silêncio, fazer de dia a Noite dos mascarados, fingir que era carnaval.
A gente parava a cidade um pouquinho, porque a luz tava vermelha, pra aproveitar a iluminação. Por alguns compassos.