segunda-feira, 30 de agosto de 2010

sobre o furo

O que não te contaram foi que Diego Gettner, 23 anos, assassinado nessa madrugada com golpes de uma faca de cozinha no quartinho dos fundos da obra onde morava e trabalhava como servente de pedreiro, tinha mais ou menos a minha altura, menos de 1,60. O que não te contaram foi que a Campo Grande onde aconteceu o crime é uma outra cidade, de uma poeira vermelha sem fim, de um vento que faz engolir terra, de uma aridez de sertão. O que não te contaram foi que, pelo menos até o final da manhã, ninguém tinha chorado por Diego, não se sabia nada sobre a família. O que não te contaram foi das rodinhas de policiais, repórteres, cinegrafistas, das conversas casuais, o que o Picarelli faz é ou não jornalismo?, da corrida das câmeras, do papo sobre o futebol de domingo, do ressentimento de um dos policiais, que é filho do chefe-de-obra que deu emprego e moradia ao servente. O policial atribui a afeição dos pais por Diego à falta do irmão, desaparecido há três anos, e isso que dá ajudar as pessoas, ele tem tudo e se mete em confusão. Essa inconveniência de ser assassinado. O que não te contaram foi da chegada da representante de transplante de córneas tem algum familiar aqui? a que horas ele faleceu? nós só temos de seis a oito horas... não te contaram da chegada do carro da funerária, dos funcionários que fumavam, enquanto todo mundo esperava a perícia e o corpo continuava no colchão no chão. Diego de calça, sem camisa, com os braços levantados, como se se protegesse de algo, no fim inexorável. O que não te contaram, o que não me contaram, o que nunca vão contar, tinha mesmo que ser assim?

sábado, 7 de agosto de 2010

sem motivos

Seu mal era amar demais uma coisa. Sempre uma coisa só de cada vez, de um amor inteiro indivisível que não se sabe dosar, pende pra um lado, deixa o outro sem.

A primeira poesia que tinha aprendido na escola fora Ou Isto Ou Aquilo, da Cecília Meireles. Ou se calça a luva ou se põe o anel.

Não que não pudesse gostar de várias coisas, afeição tinha de sobra. Assunto principal é que era um de cada vez. Paixão é que era uma de cada vez. Talvez o coração seja mesmo do tamanho de nossas mãos fechadas (e ninguém, nem mesmo a chuva, tinha mãos tão pequenas.)

Pensava que se dois corpos não podem ocupar um só espaço, como poderiam dois espaços ocupar um só corpo?

É por isso que quando dançava tudo sumia, neblina que era a dança dela. Um dia teve que atar os braços e as pernas, pra ver o sol talvez.

domingo, 1 de agosto de 2010

por enquanto

estamos indo de volta pra casa.

não era assim?