sexta-feira, 26 de outubro de 2012

acariciar o vazio pra esperar o fim do mundo

"Dançar é acariciar o vazio."

Rita Apoena

Essa história de fim do mundo sempre pareceu bobagem pra mim. Mesmo aos nove anos, quando o mundo fechou mais um giro e transformou 1999 em 2000, eu não achei grande coisa. Mas quando eu ouvi dizer que em 2012 o mundo acabaria, confesso que me impressionei sem querer. Profecia Maia, sabe como é... Então eu pensei logo de cara numa coisa que talvez não seja uma das maiores paixões da minha vida. É mais provável que seja 'a' paixão da minha vida - a dança.

Gosto de dançar desde bem pequena, como várias outras crianças. Ganhei um par de sapatilhas verdes aos três anos, que eu calçava quase todas as tardes pra dançar. Minha dança quase sempre começava em uma barra improvisada, a estante de tevê. Eu não sei de onde tirei essa lógica de começar na barra e nem meus pais sabem explicar, já que eu não fazia aula. Fui fazer aula de dança pela primeira vez aos oito anos, com a professora Mirian Camacho, dança regional. Mas me apaixonei mesmo aos doze, quando comecei a dançar balé no Estúdio de Dança Beatriz de Almeida. Foram oito anos de tardes inteiras assistindo e fazendo aula de balé, dança moderna e jazz, durante os quais eu subi no palco, viajei pra dançar, fiz amizades pra sempre, descobri coisas sobre mim mesma e sobre os outros, vivi histórias pra contar e não contar. Era o meu mundo. Outras pessoas viveram coisas parecidas no vôlei, na música, no grupo da igreja, de escoteiros, ou na própria escola. Eu vivi na dança.

Parei de dançar em 2010, no terceiro ano da faculdade de jornalismo, quando o tempo passou a atrapalhar demais o meu amor. Eu dividia meu cotidiano entre a dança e o jornalismo e precisava conhecer outras coisas. Também já não curtia mais tanto calçar as sapatilhas antes da aula e pensei que talvez dali pra frente o melhor lugar pra mim seria mesmo a plateia (sempre gostei e talvez sempre vá gostar de ver balé).

Pensava em recomeçar a dançar algum dia, aprender danças novas, quem sabe. No ano seguinte eu até fiz algumas aulas de dança no Projeto Dançar, mas o quarto ano de faculdade era ainda mais corrido do que o terceiro e aí não teve jeito mesmo.

Algumas pessoas que param de dançar evitam ver apresentações. Como se fosse mesmo um término recente do tipo 'melhor não ver pra não lembrar'. Acontece que eu não parei de pensar na dança nem metade de uma semana e fiz questão de ocupar meu lugar na plateia em todos os espetáculos que me interessavam. Um desses espetáculos foi o do Projeto Dançar, que comemorou os 25 anos da Ginga Cia. de Dança.

Claro que aquele resgate da história da Ginga ilustrou também a minha história, porque quase todo mundo que passou pela dança moderna em escolas de Campo Grande admirava muito o trabalho da Ginga e até quis dançar lá algum dia. Eu, naturalmente, fui uma dessas pessoas. Durante o espetáculo alguns ex-bailarinos da Cia. subiram no palco e ouviram a pergunta: "O que te fazia acordar todos os dias e ir para o ensaio? Por que a dança?". Na hora eu não soube responder o contrário. Se me perguntasse o que me faz acordar todos os dias e não ir pro ensaio? Por que não a dança? Eu não sei. De repente, o último ano da faculdade, o estágio, o trabalho de conclusão de curso, a hora de comer, a hora de dormir - tudo parecia negociável. Meu lugar era lá na coxia e não ali naquela poltrona, à distância. Logo depois do espetáculo minha grande paciência venceu esses questionamentos. 

Mas o negócio do fim do mundo me deixou meio nervosa. É claro que eu ponderei rápido, decidi que era besteira, que é pouquíssimo provável que um mundo tão grande acabe do nada. E que também se o mundo acabasse mesmo tava tudo bem. Tudo que eu vivi até 2012 teria sido lucro afinal. Mas eu me fiz uma promessa instintivamente (as promessas instintivas existem e são mais do que confiáveis): se o mundo não acabasse eu ia tratar de procurar a dança de novo e viver todos os dias restantes do mundo com ela, de qualquer jeito. Não é que eu precisasse da dança pra viver. Sem dançar meus dias eram normais, tinham até algumas doses de paixão de vez em quando. O negócio é que olhando pro meu mundo do ponto de vista de que ele podia estar prestes a acabar,  meus dias sem a dança tinham uma super cara de desperdício. Meu  mundo sem a dança era bom, mas estava ficando a cara do mundo dos outros. Meu mundo, pra ser bem meu, tinha que ter dança. E tava decidido: se não antecipassem o fim do mundo, 2012 me traria a dança outra vez.

Na noite da virada eu realmente pensei na dança quando ouvi os fogos. E pensei de novo quando vi o sol nascer. E também quando finalmente coloquei a cabeça no travesseiro às oito e pouco da manhã do ano novo. Mas depois a semana passou. E quem vive uma semana sem alguma coisa, amigo, pode muito bem viver um ano, uma vida, um mundo. Na segunda semana de 2012 essa história de paixão desmedida, todo aquele papo de virada de ano e fim de mundo ficaram brega. Não é que eu não precisasse da dança pra respirar. O negócio é que olhando pro mundo o ponto de vista da segunda semana de um ano, a sensação é de que ele nunca vai acabar. Sempre as mesmas notícias, as mesmas lutas, as mesmas misérias que também nunca acabam, sabe? Sempre o mesmo mundo que também não deixa de ser o mundo dos outros. Agora eu era adulta. Agora eu não era o rei. Era 2012, eu tinha terminado a faculdade, não tinha um emprego e tava decidido: eu ia ter um emprego normal e uma rotina estável.

Eu juro que foi quase assim. Mas no final de fevereiro, numa sexta de manhã, meu celular tocou: don't let me down, don't let me down.




2 comentários:

Gabriela Kina disse...

Porque sempre faltam palavras...

Alice Gaiva Emboava disse...

Belos sentimentos os seus! Considere-se uma privilegiada...