sábado, 26 de fevereiro de 2011

Histórias de Além Bacia do Prata II

O Paraíso é uma ducha de água fria no banheiro escuro e sujo da rodoviária de Santa Cruz de la Sierra, água caindo na pele enfim, depois de dois dias de viagem a seco. Paraíso é o destino onde chega o Trem da Morte, como tinha que ser.

E os deuses sabem, amor, o tamanho da euforia de cantarolar We are the Champions enquanto a água gelada escorre e você balança os braços e até dá uma rebolada, sem muita empolgação pra não encostar nas paredes do box.

Sabem do frio na barriga quando chegaram dois guardas e nos pediram os documentos, a prova de que estávamos em terras estrangeiras. Do nosso medinho depois da desistência dos bilhetes de uma companhia e a certeza de que o vendedor nos mataria. Uma escolha que viraria água nos olhos expressivos da Ana mais tarde, quando ela descobrisse que o ar-condicionado do nosso ônibus seria nada mais do que as janelas abertas.

Os deuses sabem do nosso espanto quando o motorista desceu do ônibus e recebeu três chibatadas pra lembrá-lo de que era ridículo continuar o caminho quando a gasolina tinha subido mais de 50% na semana passada. The show mu
st not go on, produção. A vida tinha que parar, pra seguir de novo na estrada certa. E foi por isso que a nosso ônibus parou alguns quilômetros depois, a quinze minutos da entrada de La Paz, que era nosso destino.

Então descemos do ônibus e encontramos a cidade de um jeito um pouco diferente do planejado. Iríamos pegar um táxi, arranjar um hotel e deitar durante três horas pra acostumar o corpo à altitude. Andamos até a entrada da cidade com as mochilas nas costas e uma ponti
nha de receio dos manifestantes que nem ligaram pra nossa presença ali. Éramos seis viajantes empolgados. Éramos vários viajantes de vários ônibus e carros deixados para trás, fomos recebidos por um carro queimado e tropas do exército boliviano que organizavam a entrada na cidade.

E mesmo sem termos vivido alguma coisa de extraordinária sabíamos que uma hora ou outra iríamos usar a poesia pedante do momento e contar que naquele dia encontramos a paz, La Paz, com as nossas próprias pernas- mochila nas costas, casaco no corpo, verão nos bolsos, cidade abaixo e a promessa de que o mundo continuaria grande, mas nós seríamos mais fortes.


Fotos: Gabriel Lourenço

3 comentários:

Gabriela Kina disse...

E você me pergunta sobre o livro... Enquanto eu espero os próximos capítulos redesenhados com seus mais sutis traços.

Gabriela Kina disse...

Olha! Tem layout começando a mudar... Tô curiosa! :D

Anônimo disse...

Até os bolivianos reclamam... só os brasileiros acham tudo muito normal... grande experiencia essa na Bolívia ein...