segunda-feira, 15 de outubro de 2012

sobre onças e danças

No último sábado eu fui assistir à 1ª Mostra Clássica de Dança MS "Prêmio Onça Pintada". Naquele dia, mais de vinte trabalhos concorriam ao prêmio de R$ 2.000,00 na categoria avançada. Eram solos, duos, trios e conjuntos de ballet clássico de repertório e ballet clássico livre concorrendo a um prêmio só. Foi a primeira vez que eu assisti ballet usando óculos e eu vou contar o que eu enxerguei. Você pode estar se perguntando quem sou eu no mundo da dança clássica pra querer falar alguma coisa e eu já adianto que não sou ninguém. Sou uma daquelas ex das quais você não lembra nem a cor dos olhos. Mas o que foi a dança clássica no meu mundo é totalmente o contrário disso, foi praticamente meu mundo durante oito anos, que é bem pouquinho para o tempo de existência da dança, mas bastante pro meu próprio tempo de existência. Eu dancei ballet no Estúdio de Dança Beatriz de Almeida e hoje danço dança contemporânea. Eu sou alguém que foi ver uma amiga dançar nessa competição. Eu sou jornalista. E eu sou alguém que não entende muita coisa.

Eu entendo a boa intenção dos organizadores em movimentar a cena da dança clássica em Mato Grosso do Sul por meio do Festival e acho até que, de certa forma, o evento cumpriu uma parte dos objetivos - vi alguns trabalhos novos em cena, os bailarinos participantes tiveram a oportunidade de fazer aula com os três jurados da competição e além disso, alguns bailarinos foram contemplados com bolsas para a temporada de cursos do Ballet Russo que acontece em janeiro de 2013 em Praia Grande.

Eu não entendo como é que se julga a dança no palco, principalmente quando conjunto concorre com solo, repertório concorre com livre, menino concorre com menina. Na verdade eu não entendo como é que dança concorre. Mas aceito. Vejo. E não entendo. Não entendi o resultado dessa competição. Zoe Escola de Dança, com Carnaval em Veneza, e Studio Leandra Vagliatti, com Folhas Secas, empataram. A apresentação da Zoe Escola de Dança foi um pouco atrapalhada por conta de uma parte decisiva da coreografia: a hora das piruetas da solista. Não é crime nenhum que as piruetas não saiam, acontece nas melhores famílias e não anula de forma nenhuma o trabalho sério e consistente da Zoe Escola de Dança em Campo Grande, principalmente com o Projeto Homens no Ballet, que eu acho muito bonito, nem compromete a atuação do grupo no palco, mas com certeza teria sido motivo pra tirar do páreo naquela noite. Folhas Secas  não teve problemas, mas pareceu fraco perto de outros trabalhos bem mais consistentes. Não entendi o que significou o convite para reapresentação no domingo, na noite de gala do evento. Achei que apenas os trabalhos mais 'maduros' fossem receber o convite, mas praticamente ao menos uma coreografia de cada grupo foi convidada. Penso que, de certa forma, o convite para a noite de gala significa que no mínimo o grupo está no caminho certo. Será que estão? Alguns desses trabalhos mereciam críticas, orientações e provocações dos jurados e tempo para repensar e amadurecer antes de voltarem para o palco.

Também não entendi o descaso com a música durante as apresentações, já que na dança clássica a música é quase sempre tão importante quanto a própria dança. As caixas de som pareciam estar 'estourando' e os graves ultrapassaram os limites do desconforto em alguns momentos. Parece frescura no último grau, mas realmente faz diferença tanto para o público e quanto para os bailarinos. Não entendo de que forma o evento estimulou a participação de uma plateia crítica interessada, esse era um dos objetivos e é uma questão essencial pra sobrevivência da dança. E não entendo como promoveu a reflexão e análise dessa modalidade artística. Não entendo e nem acredito muito que isso seja possível. "Quando se propõe que estudantes disputem entre si, nada mais óbvio do que se esperar a rivalidade, a torcida organizada, o desrespeito ao processo artístico do outro, sem falar no desestímulo que traz ao jovem em saber que perdeu. Quando se estimula isso nas pessoas, esse é o resultado que se obtém. E aí pergunto: Será que essa é a melhor forma de estimularmos a dança nas pessoas e na cidade?" Foi o que Christiane Araújo, docente de Artes Cênicas e Dança da UEMS e da UFGD, escreveu sobre as competições de dança. Recomendo demais a leitura do texto inteiro sobre o assunto: http://forummovimente.blogspot.com.br/2012/06/se-ja-sabemos-porque-ainda-continuamos.html.

Então ideologicamente eu sou contra as competições de dança, o que me preocupa é que eu não entendo. Sem (e com) os festivais competitivos quais são os rumos da dança clássica em Campo Grande? Tem rumo? Quem refletiu, cresceu e decidiu por pura falta de ignorância que essa é a linguagem do seu corpo, vai conseguir encontrar outros lugares pra se expressar? 

É que no sábado eram solos, duos, trios e conjuntos de ballet clássico de repertório e ballet clássico livre concorrendo pelo mesmo prêmio como se fosse corrida. Mas também eram bailarinos dançando, era gente no palco com frio na barriga e sorriso no rosto. Em alguns momentos era até emoção saindo dos poros e pulando na plateia, quem é facilmente emocionável sentiu.

Um comentário:

P.Paim disse...

Uau! Belíssimo texto.