não tinha fotos espalhadas pela casa. a não ser aquela que guardava debaixo do travesseiro e sem a qual não dormia direito, as outras guardava no cofre do escritório.
só assistia a novela das oito às segundas, o capítulo mais morno da semana. morria de medo de enfartar com as fortes emoções dos capítulos dos outros dias.
sempre tinha sido covarde. não subira no pé de caju do sítio onde morava quando menina nenhuma vez, nunca tomava banho de chuva.
regava as rosas e os espinhos três vezes por dia e duas vezes por vez. tinha um radinho de pilhas que ligava e desligava sozinho de surpresa.
tinha 15 borrões de tinta na pele flácida, ex-tatuagens que ela não lembrava bem o que eram. tinha cabelos brancos que lembravam nuvens em dia de sol. tomava uísque de manhã e café à noite porque fazia sentido.
não se sentia à vontade dentro daquele corpo curvado e rígido que diziam que era dela.
tinha um alívio imenso do lado de dentro. tinha uma saudade também. tinha uma agonia ás vezes e nunca se recuperaria do trauma.
culpa toda do narrador insensível que bruscamente fez passar setenta anos em uma página.